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As(os) Psicólogas(os) e a Religião

As(os) Psicólogas(os) e a Religião

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Este é o meu primeiro artigo para a Senso. Por isto fiquei a pensar: “o que escrevo?” Bom, sou psicólogo, nada mais natural que falar de Psicologia. Psicologia e religião, ou, talvez, as(os) psicólogas(os) e a religião.

Quando o assunto é Psicologia e religião sempre é algo polêmico, envolto em tabus e, talvez, muito pouco entendido tanto pelo público em geral quanto por profissionais de Psicologia. Há todas as combinações possíveis entre ambas as áreas na vivência das pessoas: líderes religiosos que dizem que a Psicologia se contrapõe à fé; psicólogos que utilizam títulos religiosos e se embasam na própria religião para sua atuação profissional; ministros religiosos que cursam Psicologia para utilizar em seus atendimentos pastorais; psicólogos que rechaçam a religiosidade; acompanhamento psicológico para líderes religiosos etc.

Na prática, as relações entre Psicologia e religião são sempre vivenciadas, mas, muitas vezes, falta um conhecimento adequado dos pontos de contato e distanciamento entre os dois campos. Aqui, como já dito, vou falar no âmbito da Psicologia e das(os) psicólogas(os).

A relação entre a Psicologia e a religião é de longa data, praticamente desde o nascimento da Psicologia como ciência. Considerado o pai da Psicologia científica, Willian Wundt já fala da religião em seus trabalhos e no final do século XIX foi produzida a primeira obra que pode ser considerada efetivamente de uma Psicologia da Religião de autoria de Edwin D. Starbuck.

Nomes importantes como Willian James, Freud, Jung, Erich Fromm, Viktor Frankl, Lacan, entre outros também abordam o tema da religião. Ela é estudada em diversas áreas tais como a psicologia da personalidade, a psicologia do desenvolvimento, psicologia experimental, social, e também elementos a ela vinculados são objetos da psicologia como a moral, os processos grupais, a experiência mística. Assim se nota que o estudo da religião pela Psicologia não é algo recente, além de ser de grande amplitude temática.

No Brasil, não é comum serem ministradas disciplinas sobre religião nos cursos de Psicologia. Isto causa um déficit na formação de psicólogas e psicólogos no que diz respeito a esse assunto num país onde ampla maioria da população declara pertença religiosa. Recentemente temos visto um esforço por parte dos Conselhos de Psicologia para debater e instruir profissionais da área sobre o tema religioso. Aumentam também as produções científicas e acadêmicas sobre o tema.

Como exemplo do que disse acima posso citar a coleção “Psicologia, laicidade e as relações com a religião e a espiritualidade” lançada em 2016 pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo e o livro “Psicologia, laicidade, espiritualidade, religião e outras tradições: encontrando caminhos para o diálogo” do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais, publicado em 2019. O CRP 16, no Espírito Santo, do qual faço parte, também está desenvolvendo um GT sobre laicidade e religião. Este é um movimento importante para toda a categoria profissional, pois põe em pauta uma dimensão humana tão presente na vida de brasileiras e brasileiros.

Na prática profissional, como profissionais de Psicologia devem atuar em relação à religiosidade de seus clientes? Segundo o Código de Ética da Psicologia, as psicólogas e os psicólogos não podem induzir o paciente a nenhuma tipo de convicção religiosa, política, moral, ideológica, sexual ou filosófica. Isto é uma questão ética, mas não só.

É importante entender que a Psicologia deve ser considerada a partir de um duplo viés: como ciência e como profissão. Como uma ciência que tem por objetivo estudar o comportamento e a subjetividade humanos  e deve orientar-se no sentido de uma exclusão metodológica do transcendente, ou seja, não tem o que dizer sobre coisas sobrenaturais ou religiosas em si, tais como vida além-morte, divindades, milagres, etc.

O que a Psicologia estuda são as representações que os sujeitos tem dessas esferas e como elas influenciam em seu comportamento pessoal e social. Enquanto profissão regulamentada, a Psicologia deve se pautar no princípio da laicidade, não favorecendo ou diminuindo nenhum tipo de religião específica. Tais princípios devem ficar claros para profissionais de Psicologia.

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Quando a religião aparece no atendimento psicológico, ela deve ser levada a sério, pois se trata de uma área que constitui a pessoa atendida assim como a família, a sexualidade, a classe social, trabalho etc. É importante que psicólogas e psicólogos tomem cuidado no manejo da religiosidade ou espiritualidade de sujeitos atendidos não só para não cair no risco de subvalorizar a experiência religiosa destes, mas também de hipervalorizá-la por um gosto pessoal da/do profissional.

Outro risco é o de psicologizar em excesso a experiência religiosa. A religião lida com o sagrado ou o transcendente e é sempre necessário ter isto em mente na hora de conduzir um atendimento psicológico e saber quais são os limites que a Psicologia tem diante do mistério.

Ainda há muito o que caminhar na Psicologia brasileira no estudo e no diálogo com a religião e a espiritualidade. Uma Psicologia comprometida com a dignidade humana e com a transformação social, necessariamente, precisa lidar com a religiosidade e a espiritualidade das pessoas, a fim de acolher o ser humano em sua totalidade.


Referências

ÁVILA, Antonio. Para conhecer a Psicologia da Religião. São Paulo: Edições Loyola, 2007.
ZANGARI, Wellington; MACHADO, Fatima Regina (Orgs). Psicologia e Religião: Histórico, Subjetividade, Saúde Mental, Manejo, Ética Profissional e Direitos Humanos. São Paulo: Inter-psi – Laboratório de Psicologia Anomalística e Processos Psicossociais, 2018.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Código de Ética Profissional do Psicólogo. Brasília: CFP, 2005.