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DEUS, sentido pela Língua de Sinais

DEUS, sentido pela Língua de Sinais

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Nasci em Iguatama, essa cidade fica no centro Oeste de Minas Gerais, em 1946. Fiquei surda aos 6 meses de idade, entrei para a escola aos 7 anos, onde tive meu primeiro contato com a língua de sinais.

Cresci num pequeno distrito chamado Cunhas, em Minas Gerais, nesse lugar as missas aconteciam apenas nas festividades religiosas. Adorava ir à Igreja. Lembro que era atraída pelas imagens dos anjos e santos. Ficava horas e horas olhando para as imagens. Não sabia o que era Deus e não entendia o que significava.

Tenho memória de um fato que me ocorreu: estava com 3 anos de idade, tinha muita curiosidade para saber o que o padre usava debaixo da batina. Numa celebração subi ao altar e levantei a batina do padre. Meu pai ficou aflito e mandava eu voltar para o banco. Eu apenas olhava debaixo da batina e sinalizava para o meu pai “roupa muita”. O padre agiu como se nada tivesse acontecido. Um dia, o mesmo padre, foi a minha casa. Perguntei a ele “roupa comprida por quê?”, respondeu que era igual a de Jesus. Eu fiquei olhando a imagem de Jesus na cruz. Pensei: Igual Jesus? Como!?  Jesus sem roupa.

Como minha família não sabia comunicar comigo não entendia o que falavam de Deus. Eles apontavam para a imagem, para o céu… não entendia nada. Apenas copiava. Tudo que eles faziam eu imitava. Ajoelhar, postar ou levantar as mãos, olhar para as imagens, fechar os olhos… tudo eu imitava.

Aos 10 anos fiz minha 1ª Comunhão na Igreja São Sebastião, em Belo Horizonte. Frequentei a catequese na Escola Estadual Pestalozzi, mas a catequista não conseguia me fazer entender o que era Deus. Não compreendia o sentido de Deus, embora ficasse feliz com o momento da comunhão.

Aos 18 anos de idade conheci Padre Vicente Burnier, primeiro padre surdo brasileiro. Ele sinalizava nas celebrações das Missas, aproximei dele e nas nossas conversas me ensinava sobre o evangelho. Fui interessando e aprofundando cada dia mais. Foi pela minha língua de sinais que encontrei o verdadeiro sentido de Deus.  Entender Deus como pessoa surda foi algo que encontrei a partir da minha língua.  A partir desta compreensão, comecei trabalhar em movimento católico dedicado à evangelização de surdos, foram inúmeros momentos de dar ao outro surdo a oportunidade que tive com o Padre Vicente. Ele está sempre em meu coração. Por fim cheguei a fundar e participar da Pastoral dos Surdos de BH.

Digo e concluo que os surdos têm capacidade, percepção e sensibilidade para a espiritualidade. O importante e principal é que o ensinamento, as trocas e as experiências com Deus passem pela Libras e pela condição visual da pessoa surda.